
SOBRAS
Trouxe pouco:
Algumas palavras não ditas,
Um punhado de sonhos
Os que couberam na mala.
Dizia-se que era preciso
Carregar o mundo nos ombros.
Eu trouxe apenas
O que me cabia nas mãos.
Agora levo menos ainda:
As palavras se evaporaram,
Os sonhos se finaram
Como velas ao vento.
Sobrou-me este vago,
Este peso leve do quase-nada.
Mas há quem caminhe melhor
Quando a bagagem é pouca,
E o coração,
Ainda que vazio,
Bate!

Às Margens do Caminho
Vivo às bermas do caminho,
onde o asfalto se desfaz em terra,
onde os carros passam
Mas ninguém para.
Meu quintal é o acaso,
Minha cerca, o esquecimento.
Planto versos em solo ácido,
Colho silêncios maduros.
Não sou viajante, nem destino,
Apenas a sombra que persiste
Quando o sol se cansa
De iluminar estranhos.
Às vezes, um pássaro perdido
Pousa em meus ombros
— E então lembro
Que até à margem pertence
O direito de florir.

Observadora Ocupacional
Entre batidas de teclado e xícaras frias,
observo a vida — ofício burocrático da alma.
Anoto em fichas invisíveis:
“O homem do elevador carrega um século nos ombros.”
“A mulher das plantas ri sozinha ao telefone.”
São crônicas não escritas,
rastros de existências alugadas,
enquanto o relógio mastiga minutos
e os dias escorrem pelo ralo do ofício.
Pergunto-me, entre um enter e outro,
se também sou observada:
“Aquela que olha demais e vive pela metade,
enfiando poesia nas gavetas do word.”
Mas eis o meu subterfúgio filosófico:
enquanto contabilizo ausências alheias,
invento mundos nas margens dos relatórios.
Porque observar é o meu modo secreto
de desobedecer à tirania do útil.
Afinal, quem cataloga os observadores?
Deixo a questão pairar,
entre um café e o próximo intervalo.

Ferida
Quem sou eu,
senão a terra que piso,
o céu que almejo,
e o abismo que ignoro?
A ferida acesa arde,
não só pelo que vejo,
mas pelo que não me vejo.
Mundo, tu és espelho,
e eu, a imagem quebrada.
Enquanto busco curar-te,
quem cura a mim?
que carrego tanta chama
e me perco na fumaça.

Ybeane Campos Moreira, nascida em 1985, Município de Ribeirão do largo, Bahia. Hoje Residente em vitória da conquista. Mulher, escritora, mãe de Pedro, pedagoga, assistente Social. Autora dos livros: Eu, Poesia (2023) Pedro e as letras do Alfabeto (2023) Eu, tu, ela, nós, mulheres (2024) Coautora do livro Entre sonhos e travessuras (2024) Café da três (2025). Fundadora da comunidade palavrilhas e Coordenadora do coletivo elas in versos.
Mais uma vez, felicito-a belos belos poemas. Além do lirismo refinado, há, neles, muito conteúdo e essência indiscutível.