
Troféu
Deve ser muito fácil a vida de quem só de encarrega em dar os parabéns
O tapinha nas costas
A falácia de dizer que foi sorte mas,
Não que essa pessoa se importe
Ela só quer fazer barulho,
Tirar uma foto contigo e postar no status com a legenda: “esse é o meu orgulho”
Orgulho?
Só de ouvir essa palavra me dá embrulho
Afinal, se orgulha mesmo?
Ou só quer mais um troféu para colocar na sua estante?
Me polir, me exibir e vender a ideia de que esteve comigo desde o início
Quando, na verdade, só tornou o caminho ainda mais difícil
Não peço que ninguém entender a minha luta
E muito menos que lute por mim, mas chega de hipocrisia
De falsas comemorações
De sorriso amarelo como se estivesse ardendo em felicidade
Só eu sei o quão perturbadores meus pensamentos podem ser
Cortam as minhas asas e eu não consigo me mexer
Me agridem
Me sufocam
Preciso cultivar asas feitas de coragem e salvar a mim mesma, todos os dias
Enfrentar o mundo e as consequências da autossabotagem com apenas papel e caneta na mão e…
Tentar não esbarrar com mais um “não”
“Nao vai dar certo”
“Isso não funciona”
“Não entra nessa”
Mas eu entro
E faço dar certo porque funciona
E porque sei que a opinião de um ou outro não vai distanciar de mim as coisas nas quais eu já me sinto dona
Só que antes mesmo de eu tomar posse
Você já está lá
E claro, pronto para me parabenizar
Me pergunto por onde você esteve quando eu morri há uma hora atrás
Há um mês atrás
Há um ano atrás
Imagino que vivendo a sua vida, obviamente
Mas quem lhe dá o direito de fazer da minha conquista a sua?
De fazer do meu choro o seu?
Acredito que só queira mostrar os bons frutos que a sua árvore deu
Me observo cansada
Cansada de ser cobrada
De ser taxada
De ser mediadora enquanto eles só se preocupam em dar o próximo passo:
Causar um alastro
Às vezes, o fato de só termos a nós mesmos como refúgio pode assustar
Mas é preciso encarar isso de frente ou ir direto para o ralo
Porque veja: a mim são atribuídos vários cargos
Mesmo eu não querendo nenhum
A eles, é atribuído só um:
O de partilhar a Vitória em pedacinhos pequenos para cada um
Além de tirar o pó da estante de troféus
Porque aí vem mais um.

Moleque Macho
”Moleque macho!
Só anda descabelada
Não veste uma saia
E o pé nunca tocou um salto
Moleque macho!
Não pinta as unhas
Só anda correndo na rua
E no cabelo não faz um penteado
Moleque macho!
Não gosta de Barbie, só de carrinho
Versão de flor só com espinho
Meu Deus, será que fraquejei no caminho?
Ou será só falta de carinho?
Calma!
Moleque macho mas eu acho que tem jeito
Ela tá confusa, só anda sem camisa porque…
Ainda nem sabe que tem peito”
Ah, o peito,
O primeiro a ser sexualizado e por isso é meu dever esconder
Não importa se doer, se apertar, se machucar
Aqui, eles chamam isso de decência
E a culpa é sua quando o cidadão de bem te tocar
Porque sabe como é né
Eles ficam tudo ouriçado
Não importa de tu tem 10, 20, 30 anos
Se tu usa fralda, ou se usa salto
Se tá voltando da escola, ou do trabalho
Hoje me pergunto:
Por que eles queriam fazer de mim um manequim?
Maquiagens, máscara, papel na sociedade
Usar roupa de homem? De jeito nenhum!
Isso não faz parte da tua necessidade
Necessidade de ser a princesa perfeita
Não pode beber!
Não pode fumar!
Não pode transar!
Ah, mas tudo bem ser infeliz quando casar
Desde que seja com um homem
Afinal qual é o público que me consome?!
Do machismo eu bebi o puro suco
No meio de um monte de homem eu era o bendito ao fruto
Mas isso não fazia de mim a porra de um produto!
Que você pode montar
Ensinar como deve andar
Oprimir o jeito de falar
Limitar o direito de ir e vir
Porque pô, aí também depende do jeito que tu vai se vestir
É engraçado, porque antes até eu queria ser quem não sou
A tal da mulher reprimida que não pode descer do salto
Que não pode gargalhar alto sem ouvir um “xiu, fala baixo!”
Ou então que não pode ser feliz na sua própria essência
Sem ser podada até o talo
Sinceramente,
Se ser mulher é ter que se esconder atrás de um muro baixo
Desculpa, pai, mãe, irmão, avô
Mas eu prefiro
Ser moleque macho!

Do Avesso
Amei ver tua alma em forma de poesia
Amei te ver do avesso
E apesar do que dizem
Não é nada travesso
Travesso são teus olhos que me atravessam
Tua boca que me beija e me molha
Teu sorriso que me fisga e nem dá tempo de procurar uma saída
Amo quando você põe aquele vestido e,
Assim como o céu, vem toda de azul
Por falar em céu
Você me leva até ele toda vez que estamos sozinhas no quarto
E assim como a Rita Lee, você também pede:
“Me bota de quatro no ato”
Eu amo a voz rouca que sai da tua boca
Pedindo pra não parar, pra continuar
E segundos depois eu ouço:
“Amor, eu vou gozar”
Meu corpo estremesse
Ali eu sinto a mais pura conexão
Eu olho pro teu rosto:
O reflexo do tesão
Você diz que tem sede de mim
E eu acredito
Porque é recíproco
Tão recíproco que a vontade me domina
E eu não consigo não pensar em você
É que tu me tira do eixo e,
Eu acabo tendo que me resolver por aqui mesmo
E quanto ao medo de ser esquecida
Meu bem, é como o mano BK dizia:
“Tu fala pra eu nunca te esquecer, mas olha só pra você, como me esquecer de você?…”
Eu poderia ficar aqui por horas te devorando em palavras
Mas não entenda mal, a minha poesia não é sobre vaidade
E isso tudo é só uma tentativa mesquinha e falha de dizer que
Sigo me embriagando em saudade
Amei te ver do avesso.

Sou escritora em formação pela Academia Brasileira de Letras, poeta e estudante de Ciências Sociais. Atuo no Centro de Arte Solar, onde colaboro com projetos que unem arte e periferia. Minha escrita transita entre a crítica social, a melancolia e a ousadia, sempre buscando atravessar o leitor com sensibilidade e verdade. Tenho um zine autoral lançado, uma poesia publicada pelo Museu de Santa Cruz, participação em antologia e sigo explorando a literatura como ferramenta de criação, denúncia e reconstrução.

