VITÓRIA BRAZ – 3 poemas
VITÓRIA BRAZ – 3 poemas

VITÓRIA BRAZ – 3 poemas

 

 

Troféu

 

Deve ser muito fácil a vida de quem só de encarrega em dar os parabéns

O tapinha nas costas

A falácia de dizer que foi sorte mas,

Não que essa pessoa se importe

Ela só quer fazer barulho,

Tirar uma foto contigo e postar no status com a legenda: “esse é o meu orgulho”

 

Orgulho?

Só de ouvir essa palavra me dá embrulho

Afinal, se orgulha mesmo?

Ou só quer mais um troféu para colocar na sua estante?

Me polir, me exibir e vender a ideia de que esteve comigo desde o início

Quando, na verdade, só tornou o caminho ainda mais difícil

 

Não peço que ninguém entender a minha luta

E muito menos que lute por mim, mas chega de hipocrisia

De falsas comemorações

De sorriso amarelo como se estivesse ardendo em felicidade

Só eu sei o quão perturbadores meus pensamentos podem ser

Cortam as minhas asas e eu não consigo me mexer

 

Me agridem

Me sufocam

 

Preciso cultivar asas feitas de coragem e salvar a mim mesma, todos os dias

Enfrentar o mundo e as consequências da autossabotagem com apenas papel e caneta na mão e…

Tentar não esbarrar com mais um “não”

“Nao vai dar certo”

“Isso não funciona”

“Não entra nessa”

 

Mas eu entro

E faço dar certo porque funciona

E porque sei que a opinião de um ou outro não vai distanciar de mim as coisas nas quais eu já me sinto dona

Só que antes mesmo de eu tomar posse

Você já está lá

E claro, pronto para me parabenizar

 

Me pergunto por onde você esteve quando eu morri há uma hora atrás

Há um mês atrás

Há um ano atrás

Imagino que vivendo a sua vida, obviamente

Mas quem lhe dá o direito de fazer da minha conquista a sua?

De fazer do meu choro o seu?

 

Acredito que só queira mostrar os bons frutos que a sua árvore deu

Me observo cansada

Cansada de ser cobrada

De ser taxada

De ser mediadora enquanto eles só se preocupam em dar o próximo passo:

Causar um alastro

 

Às vezes, o fato de só termos a nós mesmos como refúgio pode assustar

Mas é preciso encarar isso de frente ou ir direto para o ralo

Porque veja: a mim são atribuídos vários cargos

Mesmo eu não querendo nenhum

A eles, é atribuído só um:

O de partilhar a Vitória em pedacinhos pequenos para cada um

 

Além de tirar o pó da estante de troféus

Porque aí vem mais um.

 

 

 

 

Moleque Macho

 

”Moleque macho!

Só anda descabelada

Não veste uma saia

E o pé nunca tocou um salto

 

Moleque macho!

Não pinta as unhas

Só anda correndo na rua

E no cabelo não faz um penteado

 

Moleque macho!

Não gosta de Barbie, só de carrinho

Versão de flor só com espinho

Meu Deus, será que fraquejei no caminho?

Ou será só falta de carinho?

 

Calma!

Moleque macho mas eu acho que tem jeito

Ela tá confusa, só anda sem camisa porque…

Ainda nem sabe que tem peito”

Ah, o peito,

O primeiro a ser sexualizado e por isso é meu dever esconder

Não importa se doer, se apertar, se machucar

Aqui, eles chamam isso de decência

E a culpa é sua quando o cidadão de bem te tocar

 

Porque sabe como é né

Eles ficam tudo ouriçado

Não importa de tu tem 10, 20, 30 anos

Se tu usa fralda, ou se usa salto

Se tá voltando da escola, ou do trabalho

 

Hoje me pergunto:

Por que eles queriam fazer de mim um manequim?

Maquiagens, máscara, papel na sociedade

Usar roupa de homem? De jeito nenhum!

Isso não faz parte da tua necessidade

 

Necessidade de ser a princesa perfeita

Não pode beber!

Não pode fumar!

Não pode transar!

Ah, mas tudo bem ser infeliz quando casar

Desde que seja com um homem

 

Afinal qual é o público que me consome?!

Do machismo eu bebi o puro suco

No meio de um monte de homem eu era o bendito ao fruto

Mas isso não fazia de mim a porra de um produto!

 

Que você pode montar

Ensinar como deve andar

Oprimir o jeito de falar

Limitar o direito de ir e vir

Porque pô, aí também depende do jeito que tu vai se vestir

 

É engraçado, porque antes até eu queria ser quem não sou

A tal da mulher reprimida que não pode descer do salto

Que não pode gargalhar alto sem ouvir um “xiu, fala baixo!”

Ou então que não pode ser feliz na sua própria essência

Sem ser podada até o talo

 

Sinceramente,

Se ser mulher é ter que se esconder atrás de um muro baixo

Desculpa, pai, mãe, irmão, avô

Mas eu prefiro

Ser moleque macho!

 

 

 

 

Do Avesso

 

Amei ver tua alma em forma de poesia

Amei te ver do avesso

E apesar do que dizem

Não é nada travesso

 

Travesso são teus olhos que me atravessam

Tua boca que me beija e me molha

Teu sorriso que me fisga e nem dá tempo de procurar uma saída

Amo quando você põe aquele vestido e,

Assim como o céu, vem toda de azul

 

Por falar em céu

Você me leva até ele toda vez que estamos sozinhas no quarto

E assim como a Rita Lee, você também pede:

“Me bota de quatro no ato”

 

Eu amo a voz rouca que sai da tua boca

Pedindo pra não parar, pra continuar

E segundos depois eu ouço:

“Amor, eu vou gozar”

Meu corpo estremesse

Ali eu sinto a mais pura conexão

Eu olho pro teu rosto:

O reflexo do tesão

 

Você diz que tem sede de mim

E eu acredito

Porque é recíproco

Tão recíproco que a vontade me domina

E eu não consigo não pensar em você

 

É que tu me tira do eixo e,

Eu acabo tendo que me resolver por aqui mesmo

E quanto ao medo de ser esquecida

Meu bem, é como o mano BK dizia:

“Tu fala pra eu nunca te esquecer, mas olha só pra você, como me esquecer de você?…”

 

Eu poderia ficar aqui por horas te devorando em palavras

Mas não entenda mal, a minha poesia não é sobre vaidade

E isso tudo é só uma tentativa mesquinha e falha de dizer que

Sigo me embriagando em saudade

 

Amei te ver do avesso.


Sou escritora em formação pela Academia Brasileira de Letras, poeta e estudante de Ciências Sociais. Atuo no Centro de Arte Solar, onde colaboro com projetos que unem arte e periferia. Minha escrita transita entre a crítica social, a melancolia e a ousadia, sempre buscando atravessar o leitor com sensibilidade e verdade. Tenho um zine autoral lançado, uma poesia publicada pelo Museu de Santa Cruz, participação em antologia e sigo explorando a literatura como ferramenta de criação, denúncia e reconstrução.

 

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